Pode parecer, à primeira vista, que Empreendedorismo Social e Engenharia Civil são duas vertentes distintas posto que, diante dos desafios ora apresentados, possuem objetivos potencialmente diferentes. E para que as prováveis divergências façam sentido, convém fornecer algumas elucidações aos leitores.

Um dos maiores ícones do Empreendedorismo Social no Brasil é a médica pediatra e sanitarista que fundou e coordenou a Pastoral da Criança. Sim, ela mesma, Zilda Arns. A partir deste nome, que firmou e consolidou sua marca pessoal, fica mais fácil compreender o perfil de um Empreendedor Social e sua predisposição para transformar a realidade da comunidade local e/ou global.

Diferente de outras modalidades de Empreendedorismo, o Social não visa a obtenção do lucro, mas sim a promoção de qualidade de vida para a comunidade e só passa a existir diante do envolvimento integrado de diferentes pessoas/setores. É voltado para a solução dos problemas e necessidades que afligem a sociedade.

Por Engenharia Civil define-se o ramo da Engenharia responsável pelo projeto, construção e gerenciamento de obras civis: edifícios, pontes, viadutos, passarelas, sistemas de drenagem urbana, sistemas de abastecimento de água, sistemas de tratamento de esgoto, aterros sanitários, escolas, estradas, rodovias, barragens (etc) e, insisto, pelo projeto, construção e gerenciamento de residências simples ou projetos de pequeno porte. No que diz respeito à melhoria da qualidade de vida das pessoas, as atividades do Engenheiro Civil assemelham-se às do Empreendedor Social, no entanto, geralmente são patrocinadas por tipos de Empreendedorismo que visam o lucro, destoando-se entre si.

Há que se considerar, entretanto, que o Empreendedorismo Social estará mais próximo da Engenharia Civil à medida que os potenciais clientes e também os profissionais desconstruírem a ideia de que a Engenharia Civil deve focar apenas os projetos de grande porte. A primeira etapa ou desafio a ser vencido para promover a supramencionada desconstrução é a multiplicação do conhecimento. Informar aos potenciais clientes que a pequena reforma ou construção que almejam fazer é um serviço que abrange as competências profissionais de um Engenheiro Civil constitui um passo importante. No entanto, como diriam os matemáticos: “é uma condição necessária, mas não é suficiente”.

Dentre as diversas dificuldades, a capacitação da mão de obra local entra como outro grande desafio a ser vencido pela viabilidade estratégica do Empreendedorismo Social na Engenharia Civil. A contratação de um profissional de Engenharia Civil para os projetos de pequeno porte não implica em demissão para o pedreiro, encanador e/ou eletricista que já são comumente contratados diretamente pelo cliente. Pelo contrário, implica na contratação cautelosa desses profissionais. O Engenheiro Civil orientará quem, quando e por quanto tempo contratar (admitindo sempre a situação mais econômica, otimização de recursos humanos, com foco em preço e prazo). Ao mesmo profissional de Engenharia competirá definir, também, a quantidade de materiais a ser consumido para que o projeto de pequeno porte seja construído com base nas recomendações normativas vigentes.

É neste ponto que os efeitos do Empreendedorismo Social começam a aparecer. O primeiro grande ganho para esses profissionais que se responsabilizarão pela execução do projeto de pequeno porte é a qualificação profissional. Sim, eles precisarão estar aptos para compreender a linguagem gráfica dos desenhos técnicos que expressam, no projeto de Engenharia, o modelo a ser seguido no processo construtivo.

Nossos pedreiros, que atuam em projetos de pequeno porte, conseguem ler o projeto para uma construção em concreto armado (solução comumente empregada neste tipo de projeto)? Nossos eletricistas, que atuam em projetos de pequeno porte, conseguem ler um projeto de Instalação Elétrica sem percalços? Nossos encanadores, que atuam em projetos de pequeno porte, conseguem ler um projeto de Instalação Hidrossanitária? Estariam esses profissionais dispostos a dar um passo à frente na qualificação profissional? Diante das questões levantadas e das observações postas é possível refletir sobre o impacto positivo do Empreendedorismo Social na Engenharia Civil. A participação do profissional de Engenharia nos projetos de pequeno porte promoverá a demanda por qualificação da mão de obra, além de satisfazer o cliente através da conversão de serviços em produtos seguros, duráveis, econômicos e ambientalmente responsáveis.

No caso dos projetos de grande porte (dados às suas complexidades) há profissionais encarregados dessa tradução entre as especificações técnicas e as orientações construtivas, os chamados mestres de obras. Todavia, do ponto de vista do Empreendedorismo Social, a qualificação direta dos profissionais que se encarregarão pela execução dos projetos de pequeno porte é mais interessante por ampliar os benefícios sociais da iniciativa. Neste contexto, poderíamos contar, por exemplo, com os institutos federais que se proliferaram no país como instrumentos de capacitação profissional através da oferta de cursos técnicos voltados à leitura e compreensão de projetos de Engenharia.

Por fim, o outro grande desafio é a valorização da carreira pública de Engenharia. Aqui, quando emprego “valorização da carreira pública”, me refiro não somente às garantias legais como as que o Projeto de Lei da Câmara n° 13 de 2013, de autoria do Deputado José Chaves, que tramita no Senado Federal, pretende trazer para a categoria profissional ao incluir as carreiras públicas de Engenharia, Agronomia e Arquitetura entre as classificadas como essenciais e exclusivas de Estado. Mas também, e principalmente, à valorização da carreira pública por parte do profissional de Engenharia que se reconhece como agente das novas possibilidades de colaboração para a transformação social, gerando qualidade de vida para a comunidade através de serviços.
 
Do autor

O Engenheiro Civil Paulo Vitor Santos é jacobinense, formado pela Universidade Estadual de Feira de Santana e atualmente é mestrando em Engenharia Civil (Engenharia de Estruturas) no Departamento de Engenharia de Estruturas (SET) da Escola de Engenharia de São Carlos/Universidade de São Paulo (EESC/USP).

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