“Na luta entre ti e o mundo, apoia o mundo; não se deve lesar a ninguém, nem sequer frustrar o mundo da sua vitória.” (Franz Kafka)

O lado do jornalista deve ser o lado de seus leitores, que compram, leem e ouvem suas ideias diariamente, semanalmente. O meu lado como professor, por exemplo, é o lado dos meus alunos, e não do ente estatal que paga o meu salário mensalmente. Empresas e governos passam, as ideias e pessoas ficam.

Um jornalista que mal chega a uma cidade e, sem saber do contexto e motivos de uma greve que está acontecendo, se coloca contra a categoria e sindicato que estão organizando a greve, desrespeitando o líder municipal do sindicato em seu programa, já diz de qual lado da guerra está. Alguns jornalistas nunca me enganam. Nos programas que fazem e nos artigos que escrevem, vejo a sua parcialidade, o seu lado. E um verdadeiro jornalista não deveria ter lado, sob risco de se tornar uma fraude, um embuste.

Segundo Tiago Lobo, em artigo do dia 23/04/2013 do Observatório da Imprensa, edição 743: “Penso que o papel do jornalista, na sociedade de consumo, é interpretar e traduzir informações. Não cabe a ele apenas informar. Devido à saturação da informação, cabe ao jornalista interpretá-la, atribuindo-lhe sentido e precisão na produção de um bem intelectual que dê ao receptor a possibilidade de refletir e, também, de interpretar.” 

Incrível como ainda há ouvintes para certos programas e leitores para certos jornais. É preciso ser um cidadão mediano e pouco esclarecido para tanto. Infelizmente, por contingência histórica e péssima distribuição de renda, é o que mais temos em cidades provincianas como as nossas. Mas, conforme frase dos irmãos Goncourt – “Quem mais ouve besteiras no mundo é talvez um quadro de museu”. Totalmente de acordo.

Ainda segundo Tiago Lobo: “O ato de informar consiste em transmitir dados técnicos sobre determinado fato. Estes dados, tal qual o lead, não possibilitam percepção de atmosfera, conjuntura emocional e emissão das particularidades de um fato. A absorção da informação calcada na objetividade jornalística esfria as capacidades emocionais e afeta o entendimento do universo particular de uma ocorrência por parte do receptor.”


O papel de um jornalista não é perverter o uso das palavras conforme a sua própria opinião: brutalidade passa por bravura, sabedoria por covardia, fanatismo por certeza, oposição por suspeita. É preciso que o mesmo entenda que não está lidando apenas com analfabetos e amadores. Mais respeito com seus ouvintes e leitores. A cultura e a inteligência agradecem.
Não preciso da opinião de amadores para sobreviver e continuar lutando por aquilo que penso e acredito ser o certo para a coletividade. A política, para mim, é algo vital. Mas diferentemente de alguns jornalistas deste país, não sou um caça-níquel. A minha luta é ideológica. Sempre foi. O que faço, faço-o como homem, como homem privado. Como um ser político, no sentido grego do termo. Detesto politicagem. E o que falam de mim no público, sem nunca terem lido uma linha sequer do que escrevi, ou é mentira ou é despeito. Duas coisas que não me atingem, por certo. Numa terra de cegos e analfabetos, quem tem os dois olhos e sabe ler não se engana. 

Em tempos de crise, caos e fascismo como estes, um jornalista que afirma num programa de rádio que professores, estudantes, poetas, profissionais liberais e membros de movimentos sociais que participam de uma manifestação democrática são vagabundos, é não se enxergar. É não ver que ele sim é o que diz dos outros. 

Em seu artigo, Tiago Lobo nos lembra ainda que “ser objetivo não é ser pouco preciso. É possível ser objetivo em um texto jornalístico e descrever um acontecimento com precisão e técnicas narrativas literárias que lhe componham as sutilezas que permeiam a história humana.”

Quando o dinheiro fala, a verdade se cala. Uma parte da nossa imprensa tupiniquim só enxerga o dinheiro e a verdade é a verdade de quem paga e patrocina o programa ou o jornal. O dinheiro enlouquece e cega pessoas. Os tolos não querem saber e nem querem aprender esta lição. Saramago explica isto direitinho no seu ótimo livro “Ensaio Sobre a Cegueira”.

O que o mundo espera de cada um de nós, além de paciência, é isto: no meio da crise e do caos, guardar o ponto firme do espírito livre e da continuidade histórica, para no turbilhão, estar consigo mesmo, sem ilusões e consciente. 

Quando dizemos que uma pessoa merece uma surra, não é somente aquela surra convencional, de socos e pontapés. Pode ser uma surra metafórica, com palavras, como esta. O jornalista precisa também saber ouvir e ler.

Professor da rede estadual há 16 anos, com muito orgulho e honra. E diferentemente do que quis passar certo radialista em seu programa jornalístico, é também um pacifista convicto.

Márcio Melo