Doutor em História por um dos melhores programas de pós-graduação em História da América latina e professor de uma universidade pública, na qual só se entra mediante concursos (em geral disputadíssimos!) está lançando um livro com aproximadas 350 páginas, divididas em quatro capítulos. 

Alguma novidade nesta notícia? Bem, muitos livros estão sendo escritos e publicados Brasil a fora, certamente, mas este possui alguns ingredientes bem especiais. Imaginemos que o autor, batizado como José Jorge Andrade Damasceno, filho de mãe lavadeira, nascido em família pobre e no interior da Bahia, mais precisamente em Alagoinhas, é mais um daqueles casos de pessoa que venceu na vida. Bem, também não são raras as histórias de homens e mulheres que venceram na vida, enfrentando todo tipo de adversidades, e que hoje servem de belos exemplos para aqueles que acham que sua vida é difícil. 

Mas, e se acrescentarmos um ingrediente a mais nesta história de vida difícil deste professor e historiador? Sim, destituído da visão, cego, Jorge Damasceno traz consigo a marca daqueles que não tiveram outra opção que não fosse lutar e lutar a todo o momento. Mas, para além de sua bela história de vida, o livro, intitulado “Vozes Eclipsadas, Memórias Silenciadas: História Social de Operários Cegos na Bahia” é certamente um instigante convite para aqueles e aquelas interessadas nas possibilidades de se narrar o passado a partir do entrecruzamento da análise das memórias e de uma competente revisão bibliográfica. Eis a receita usada pelo autor. Dividido em quatro capítulos, o livro é parte da trajetória de um pesquisador em permanente construção, mas com claros sinais de maturidade intelectual. 


Hábil no trato com a historiografia, dotado de “olhar” comprometido com quem sente na pele, a cegueira, ninguém melhor do que Jorge Damasceno para discutir, nas searas da História, o lugar dos cegos que não se conformam com a condição de subalternos. Na introdução, Jorge Damasceno estabelece os aspectos teóricos que nortearam sua escrita, além de mostrar ao leitor as fontes que utilizou para traduzir seu fenômeno. Ainda na introdução, o autor discute as questões pertinentes à memória e história oral, revelando maturidade no trato com estas temáticas. No primeiro capítulo mostra um complexo panorama de estratégias que visavam inserir as pessoas cegas na produção. O autor mostra alguns elementos destas políticas e do quanto elas estavam eivadas de limites, suficientes para entendermos os motivos de seu insucesso. 

O segundo capítulo pode ser entendido como continuidade do primeiro, onde o autor discute sobre o trabalho como leit motiv para inserir o cego na produção e na sociedade como um todo. No terceiro capítulo Jorge Damasceno enceta significativo debate sobre a industrialização na Bahia e de como esta seria fundamental para desenvolver o estado, tanto em aspectos econômicos, como sociais. Esta, no dizer do autor, foi uma das principais estratégias implementadas pela ditadura militar, e os resultados disso tudo não foram os melhores possíveis. O quarto capítulo mostra como reagiram, segundo suas memórias, aqueles que deveriam ter sido incluídos na produção, para “serem úteis a uma sociedade” capitalista contemporânea. 

Enfim, o livro é uma excelente possibilidade de aprofundamento para os estudos históricos balizados na memória como fonte. Publicado em 2016 pela Editora Bagaço, promete ser uma obra bastante disputada não apenas pelo público acostumado com obras de caráter histórico, mas também por aqueles interessados numa boa leitura sobre o passado recente do Estado da Bahia.