Já se sabe que a brincadeira ocupa um lugar especial na vida da criança na primeira infância! Mas, você já parou para se perguntar por que é dada tanta importância a uma atividade aparentemente tão simples? Na verdade, essa "coisa de criança" a que não damos muito bola durante nosso corrido dia a dia é capaz de ajudar a criança a desenvolver muitas de suas habilidades motoras e cognitivas, como atenção, memória, imitação e criatividade.

"A criança, porém, não brinca para aprender alguma coisa, ela brinca porque quer", ressalta Maria Paula Zurawski, doutoranda e mestre em Educação pela FEUSP, graduada em Artes Cênicas pela ECA-USP, atriz do Grupo Furunfunfum de teatro para criança e professora dos cursos de Pedagogia e de Pós Graduação em Educação Infantil do Instituto Vera Cruz -SP. "É sempre bom lembrar isso aos pais e às escolas: não adianta querer que a criança brinque disso ou daquilo para aprender algo, ou que ela aprenda isso ou aquilo por meio da brincadeira: o jogo simbólico, o faz de conta, ocorre somente porque a criança quer, por vontade própria, estar na brincadeira". Ela lembra que o pedagogo Vigotski, no livro O papel do brinquedo no desenvolvimento (1998), vê na brincadeira uma nova forma da criança criar: "Ensina-a a desejar, rela¬cionando seus desejos a um "eu" fictício, ao seu papel no jogo e suas regras". 

Qual é o espaço que a brincadeira tem hoje na vida das crianças? 

Vera Tchipschin Francisco - psicanalista, pedagoga e membro-fundadora da Gesto Psicanálise - aponta  que a brincadeira ocupa um lugar especial na vida da criança, porque está em um espaço intermediário entre o imaginário e o real, pois incorpora elementos da realidade que são misturados com a fantasia. É um espaço privilegiado para a criança poder elaborar situações difíceis que ela viveu, incluir e realizar desejos na brincadeira e poder lidar com emoções variadas e antagônicas  como o amor e o ódio, coragem e medo, alegria e tristeza. Além de ter uma função no mundo interior da criança, o brincar desempenha também uma função no universo exterior, pois criança acaba interferindo no mundo com sua brincadeira. É por meio do brincar que a criança pequena aprende a superar os obstáculos da vida real que se apresentam a ela de maneira intensa durante seu crescimento. Há muito que conquistar motoramente, intelectualmente e socialmente. 


Maria Paula Zurawski explica: "O mundo mudou muito e a falta dos espaços de brincadeiras dos quais os mais velhos se recordam em suas memórias de infância (o quintal, a rua, o ar livre) cria uma série de juízos de valor para a brincadeira infantil - como se ela estivesse ameaçada de desaparecer.  O fato é que as crianças continuam a brincar, é que o mundo mudou e a brincadeira também.". Portanto, devemos refletir sobre o lugar o significado que a brincadeira ocupa hoje na vida das crianças.

Veja como tudo funciona!

1 - Para começar a brincar

Estimule seu filho a brincar desde os primeiros meses, por meio de jogos de exercício: tire-o do berço e coloque no chão e incentive-o em cada tentativa dele em manipular objetos, repetir sons e esconder seu rosto atrás da fraldinha. 

O primeiro tipo de brincadeira que seu bebê realiza é a de imitação. Ao tentar copiar você, tem de colocar muito em jogo. Apesar disso, é visível a satisfação e o divertimento ao ouvir seu próprio gritinho ou mostrar seu rosto, atrás da fralda.

Paula Zurawski ressalta a importância de canções, trovinhas e acalantos na vida da criança. Eles fazem parte da nossa própria cultura, alimentam o brincar infantil e devem estar presentes desde os primeiros anos.

2 - Incentivar as brincadeiras de faz-de-conta

Por volta dos dois anos, seu filho está pronto para as brincadeiras de faz-de-conta, em que passa a reviver situações que demonstram sua forma de ver o mundo. Por isso, crie espaço em sua rotina para isso e observe o que ele está revelando. Além da brincadeira de imitação, em que poderá encenar acontecimentos da vida real, e colocará sua criatividade em ação, misturando elementos do mundo real com fantasias do mundo imaginado. 

"É bom também que as crianças possam frequentar espaços interessantes, onde haja brinquedos - bonecas, carrinhos, homenzinhos e outros", diz Paula. Mas também ressalta a importância terem a seu alcance "materiais não estruturados, aqueles que podem "virar e desvirar" infinitas coisas na brincadeira infantil - tecidos, blocos, cordas, caixotes...". 

Fique atenta, pois por meio desse jogo de faz de conta, seu filho assimila a realidade, realiza sonhos, mostra incômodos, reproduz e representa situações similares a vida real. Uma boa ideia é observar as brincadeiras que inventa, reparar que papéis escolhe com maior frequência, qual é o tom dos diálogos e quando termina. "Observar as crianças é sempre interessante, é uma delícia, e os pais devem, sim, observar seus filhos, mas não como "espiões" do que pode estar passando pela cabeça deles. Devem ser observadores cuidadosos, acompanhar seus filhos, estar com eles, levá-los a passear em lugares bonitos e interessantes, jogar jogos com eles, ler histórias, contar histórias, conversar muito, escolher brinquedos que respeitem a criatividade das crianças". Esta é, na opinião de Paula, a melhor intervenção. 

3 - Apresentar os jogos com regras

Por volta dos quatro anos, seu filho está hábil para participar de jogos com regras, pois está pronto para atividades mais socializadoras. Propicie a ele o convívio entre meninos e meninas igualmente. As crianças pequenas não fazem essa separação, somos nós, adultos, que o fazemos. 

Na brincadeira em grupo é necessário compartilhar ideias e brinquedos, negociar papéis e cooperar com os amigos, para que se garanta a diversão para todos. Esse tipo de brincadeira torna-se uma ótima oportunidade para se treinar a convivência social. Os conflitos serão inerentes a ela, mas podem ser vistos como uma coisa boa e construtiva. Faz parte do desenvolvimento infantil lidar com desacordos e impasses causados, geralmente, pela vontade de se fazer valer a sua opinião perante um grupo de indivíduos. 

Vera Tschiptschin Francisco explica que é comum os pais se sentirem pessoalmente atingidos por gestos agressivos de outras crianças contra seu filho, "pois o filho é um projeto dos pais, do que poderiam ter sido, sem frustações, sem falhas. Sentem como se o "empurrão" durante uma brincadeira de pega-pega, por exemplo, tivesse sido contra eles mesmos. Os pais precisam cuidar e fazer o exercício de se ver o filho com um individuo diferente. Ele não é uma continuidade dos pais, precisa viver frustações para entender o mundo real". Completa, ainda, que é preciso se afastar, (sempre reforçando que está lá se for preciso) observar e deixar a crianças ter a chance de agir sozinha nessas situações. 

Paula Zurawski aponta que " brincar é jogo, é convívio, é chegar a acordos (do que vamos brincar? Posso ser a mamãe? Eu era o Batman, tá?). Brincar com outras crianças traz sempre uma "revolução" de ideias, de atitudes. O melhor brinquedo para uma criança é outra criança". Em contrapartida, deixa claro que apesar da criança que brinca ter mais oportunidades de aprender com o outro, de discutir, de brigar, de ceder, de perder e de ganhar, enfim, de viver experiências sociais importantes, a brincadeira tem valor por si mesma, não é somente um instrumento para que as crianças sejam bem resolvidas ou bem sucedidas na vida.

4 - Dar espaço para a brincadeira individual

Deve-se dar espaço também às brincadeiras individuais. Por meio delas, se exercita a perseverança e a vontade de não desistir, de refazer, de montar de novo. Os jogos de montar e construção com blocos são ótimas atividades para se exercitar isso. 

Vera Tschintschin Francisco diz que é preciso valorizar a brincadeira individual. Explica que "muitos pais se angustiam ao perceber seu filho brincando sozinho. Concluem que isso significa que a criança não consegue interagir com os outros e forçam um convívio com outras crianças. Mas com isso estão impedindo que o filho viva uma experiência de privacidade, de ter um espaço privado, que é fundamental para a formação da concepção de mundo. 

Paula Zurawski concorda que "brincar sozinho pode ser muito legal. É mesmo um momento precioso. Crianças podem ficar um bom tempo brincando sozinhas, montando cenários e situações, pondo e dispondo seus bonecos, bichos, carros, criando vozes e diálogos entre personagens ou mesmo construindo coisas. Assim, gostar de brincar sozinho não é necessariamente preocupante". Lembra, porém, que é importante observar as crianças brincando e ver se estão se comunicando, desenvolvendo enredos e se divertindo. Isso dará bons indícios se a brincadeira está valendo a pena.

5 - Proporcionar ambientes variados

Sempre incentive atividades físicas em ambientes variados, como aulas ao ar livre, brincadeiras na piscina e proximidade da natureza. Pais e educadores podem organizar ambientes que favoreçam a brincadeira, explica Paula. "Se as crianças puderem brincar frequentemente em espaços abertos e nos quais tenham contato com a natureza e a exploração de habilidades corporais, como correr, pular, subir em árvores, cavar buracos, mexer com água, esconder-se, é certo que seu "repertório brincante" crescerá. Da mesma forma, a leitura de histórias, que convidam a sentir emoções e a imaginar lugares, personagens, situações diferentes, também podem enriquecer a brincadeira". 

Tudo é importante desde que esteja misturado e garanta uma diversidade de situações e universos para as crianças explorarem, sentirem, agirem e reagirem!

Extraído do portal Educar para Crescer / Adriana Fonseca

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