O que é um recomeço?

Diz a canção de Ivan Lins: "Começar de novo e contar comigo, vai valer a pena ter amanhecido". Fala o compositor sobre um amor que talvez não tenho amado o suficiente. Prossegue ele em seu grito de satisfação pelo recomeço da vida sem o incômodo do tal amor não amado:

"Ter me rebelado, ter me debatido
Ter me machucado, ter sobrevivido
Ter virado a mesa, ter me conhecido
Ter virado o barco, ter me socorrido".

As dores de amor são dolorosas demais. Quem já passou sabe. Há funduras na nossa alma que parecem não ter fim. Vazios. Pensamentos roubados de outros assuntos quaisquer. O fio condutor dos nossos dias acaba sendo a busca desse amor, de alguma atenção, de algum sinal luminoso na escuridão dos nossos sentimentos. Por vezes, um aceno, apenas, ameniza as dores que sentimos. Mas passa. E é isso que diz a canção quando fala em "ter me debatido", "ter sobrevivido", "ter me conhecido", "ter me socorrido".

Os sofrimentos nos ajudam a nos conhecermos melhor. As dores podem nos humanizar se soubermos com elas conviver. A solidão nem sempre é um mal. Abandonados a nós mesmos, socorremo-nos. E, por tudo isso, "vai valer a pena ter amanhecido".

Talvez fosse uma reflexão interessante a de nos perguntarmos por que vale a pena amanhecer? Para encontrar um amor? Para cuidar dos filhos? Para trabalhar? Para tomar o café da manhã? Para sair com um amigo? Para viajar a viagem dos sonhos? Sonhos?! E quem já não sonha mais? Valerá a pena amanhecer?


Os recomeços necessários em histórias de amor sem amor também servem para outras razões dos nossos amanheceres. Há amigos que provaram não serem amigos. Talvez valha a pena recomeçar com outros. Há trabalhos que não nos realizam e que nos emaranham em fios sem fim de desânimos. Vale a pena continuar? Não seria melhor administrar a própria carreira, estudar um pouco mais, buscar outra alternativa? O trabalho nos dignifica, se não nos sentimos dignos no que fazemos é melhor buscarmos outro caminho. Um pouco de coragem e sabedoria nos ajuda a decidir e a mudar.

É preciso valer a pena cada amanhecer. É preciso recomeçar a gostar de viver. Em cada relação, em cada profissão. Não que não tenhamos de conviver com pessoas e situações que, às vezes, não nos agradem. Isso faz parte do nosso viver. Mas não pode ser só isso. Há uma necessidade real de nos encontrarmos nos nossos encontros, sejam eles pessoais ou profissionais. Faz toda a diferença sentirmo-nos amados por pessoas com as quais convivemos. Como pode um amor ridicularizar o seu amor? Desprezá-lo? Compará-lo a outros? Como pode um profissional ser humilhado no seu espaço sagrado de trabalho? Como pode se sentir inútil com tantas utilidades necessárias?

Recomeços são necessários. "Virar a mesa", "virar o barco" e prosseguir de um outro jeito. No mundo dos negócios, há muitos que faliram em algumas tentativas e, depois, deram certo. Nas relações de trabalho, há muitos que se sentiam incompetentes pelo tratamento que recebiam e pelas poucas oportunidades de criar e, depois, encontraram a realização; na vida amorosa, também. Depois de algum término, de algum conhecimento, de alguma coragem, um novo encontro ajudou a encontrar o que de mais bonito havia e que ainda ninguém havia encontrado, a própria essência.

O que é um recomeço?

É uma ação de corajosos. Dos que não aceitam o que não realiza. Dos que se rebelam contra o que desumaniza. Dos que sabem que podem mais e, mesmo machucados, cantam no seu dia a dia: está valendo a pena ter amanhecido. É desse sabor que precisamos junto com a primeira refeição. O alimento que nos faz sorrir com sinceridade pelo dia que ainda está espreguiçando. E será o mesmo sabor da última refeição do dia que se despede, cansado talvez, mas satisfeito. Vai valer a pena ter adormecido. Com a boa sensação de que fizemos alguma diferença no dia que se foi. Cansaços não nos diminuem. Ausências de sonhos, sim.

Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo)