Dia do santo marca o fim da época de chuvas no sertão baiano. E elas não vieram, indicando que a estiagem vai se agravar nos próximos meses.


Os lavradores prepararam a terra, compraram as sementes e esperaram que a tão aguardada chuva chegasse. Ontem era o dia. Como reza a tradição, se planta em São José para colher em São João. Mas neste ano não foi assim. Em Morrinhos, zona rural de Feira de Santana, algumas nuvens mantinham viva a esperança de que a água cairia a qualquer momento, mas o dia foi avançando, as nuvens se dissiparam e o sol queimava cada vez mais forte. Queimava com ele um pouco da esperança de 3,2 milhões de baianos atingidos pela seca no estado. Mais da metade dos municípios da Bahia já declarou situação de emergência e 21 deles vivem racionamento de água.

O CORREIO voltou a Morrinhos três meses depois de ouvir a população para a série Vozes da Seca, publicada de 9 a 11 de janeiro e encontrou uma situação ainda mais crítica. A vegetação secou por inteiro. Até o resistente mandacaru dá sinais de fraqueza. As aguadas e açudes esvaziaram, tornando água um bem escasso. Mas os guerreiros da seca persistem na luta diária para garantir a sua sobrevivência e a do rebanho. Anteontem veio um lampejo de esperança. Trovejou e relampejou, mas não choveu.

Nessa luta de todos os dias, às vezes há baixas no rebanho. “Essa vaca morreu ontem à noite. Ali tem outra que caiu de fraqueza perto de parir e não levantou mais. Pariu no chão. Já tem três meses e ela não consegue ficar em pé ainda. Esse vizinho já perdeu umas dez cabeças nos últimos meses”, contou o vaqueiro José Antônio de Jesus, 65 anos, enquanto mostrava o animal.

Ele foi um dos que prepararam a terra para esperar a chuva de São José. “Todo dia a gente pede a Deus que mande o bom tempo para melhorar a nossa situação. Deu uma chuva fininha há 15 dias, mas nem molhou a terra. Nossa esperança é que essas nuvens se juntem e Deus mande o bom tempo. O verdadeiro é Deus, mas a gente se apega muito a São José, pra ele mandar chuva”, disse o vaqueiro.



A seca castiga severamente, mas eles não perdem a fé em dias melhores e esperam, pacientemente, que seja feita a vontade de Deus. “É tanta gente que pede a Deus. Tenho um vizinho que toda vez que me vê me pergunta cadê o meu Deus que não manda chuva. Mas Deus não é vingativo, quando manda, manda pra todo mundo”, falou seu José.

Esperança
A chuva era esperada para dezembro. Março chegou e nada dela. A esperança vai minando, mas, enquanto isso, as pessoas rezam, fazem promessas e até tiraram a imagem de São José da capela, na Praça de Morrinhos,  no dia 11 deste mês, e a levaram em procissão para a fazenda de Osmundo, a cerca de quatro quilômetros dali. No cortejo, os mais de 50 lavradores seguiram rezando e pedindo por chuva. De lá, a imagem só sai quando chover. O retorno será festejado com mais orações e foguetório.

Maria Isabel Pereira Soares, 65 anos, a dona Nai, foi uma das pessoas que participaram do cortejo. “Aqui piorou muito nos últimos meses, os bichos estão tudo morrendo. Só se vê caveira”, lamentou. Há dois meses ela viu a água do açude que fica a poucos metros de casa ganhar uma coloração esverdeada, deixando de servir para o uso. A cada dia vê a situação se agravar, mas não deixa de ter esperança: “Já limpei o pasto. Agora é chover, passar o trator e plantar o feijão, o milho e a abóbora”.

Ela não está sozinha na fé. Ana Rita Oliveira da Silva, 45, acredita que para Deus tudo tem o seu tempo. Cabe ao homem ter paciência e sabedoria para esperar. “Nunca perdi a fé em Deus. Só ele é que resolve. Se perder a fé em São José, em quem vou me valer? Nas condições daqui, se Deus não abrir os braços, vai acabar tudo”, acredita a sertaneja.

Até o Mandacaru falhou
O mandacaru deu flor, mas a chuva não veio. Chegou o dia de Santa Bárbara, em dezembro, e a trovoada não deu o ar da graça na zona rural de Santa Teresinha. Havia um fio de esperança dela chegar ainda em dezembro, no dia de Santa Luzia. Falhou de novo. Mais um desapontamento para os agricultores que assistiram o mês passar sem sinal de chuva. Janeiro e fevereiro também foram áridos. Só restava um milagre de São José. Não houve.

“O mandacaru está bem colorido, mas nada de chuva. O pessoal  comenta que quando floresce é porque vem chuva. Dessa vez falhou. O pessoal estava com a terra pronta esperando a chuva de São José. Eu desanimei, perdi a esperança”, disse o lavrador Reinaldo dos Santos Oliveira, 35 anos. Presidente da Câmara de Vereadores de Santa Teresinha, Julival Oliveira Correia diz que a situação é  crítica. “Mesmo desanimados, agricultores prepararam a terra. Tem lugar que está tão dura que não passa o trator.”

Previsão não é otimista
A falta de água tem deixado populações aflitas. O problema é que há regiões em que não choveu ainda e não deve chover tão cedo. Segundo a meteorologista Cláudia Valéria, do Inmet, no Centro-oeste do estado o período chuvoso coincide com o Verão. Já no Centro-leste, a chuva inicia em abril e vai até o Inverno. “As chuvas do Oeste deveriam ter começado em 2016. Já se passaram dois meses e meio de 2017. Ano passado foi deficiente, mas em 2017 teríamos mudanças. No Centro- oeste não resolveu, e o período chuvoso de lá já passou.”

O Centro-oeste contempla parte da Chapada Diamantina, a região Oeste e a do São Francisco. Já o Centro-leste compreende parte do Nordeste do estado, a RMS, o Recôncavo e o litoral. “Em 2016 o El Niño foi muito intenso. No final do ano mudou para La Niña, mas não teve nenhum favorecimento do Oceano Pacífico pra cá, por isso permaneceu a irregularidade que já acontecia.”

Perla Ribeiro/Redebahia