Vão-se os anéis... Mas deixem os dedos!


Somente em 2021, o Corpo de Bombeiros da Bahia registrou quase 300 casos de pessoas com anéis presos nos dedos. Saiba como evitar acidentes graves, incluindo amputações. Que atire a primeira pedra quem nunca ficou com tédio durante esta pandemia e acabou inventando uma arte. Ano passado, cansado da monotonia do isolamento social e da aula remota, Daniel Caldas, de 14 anos, caçou problema. Para passar o tempo, mexeu em coisas antigas no quarto e achou um anel de quando tinha 10 anos. O que ele fez? Experimentou, mas o anel não quis mais sair do dedo. Após diversas tentativas, não teve jeito: precisou da ajuda do Corpo de Bombeiros.

Acidentes com anéis são mais frequentes do que se imagina na Bahia. Somente em 2021, 290 casos de acidentes domésticos envolvendo anel foram registrados pelo Corpo de Bombeiros no estado, 70 somente em Salvador. Este número é maior que o registrado em três anos no Ceará. Segundo dados da corporação cearense, foram 279 ocorrências nos últimos três anos. Os dados na Bahia foram fornecidos com exclusividade ao CORREIO e a corporação acredita que o número pode ser maior, pois alguns batalhões acabam especificando atendimentos envolvendo anéis como ‘acidente doméstico com adornos’, não especificando se é anel. Adornos podem ser corrente, pulseiras, brincos, entre outros.

Os pais de Daniel Caldas preferiram pedir ajuda à corporação, principalmente quando viram o dedo do garoto ficar roxo e inchado. “Ele tentou tirar e não saiu. Lavou a mão com muito sabão e não saiu. Passou hidratante, óleo paixão e nada, tudo escondido de nós. Aí o dedo começou a ficar inchado e a mudar de cor. Foi quando ele resolveu me chamar para contar”, lembra a mãe do garoto, Daniele Coni.

“Eu me desesperei, mas tentando manter a calma. A parada já estava tensa... Tentei com fio dental e fita de cetim, sem sucesso. Tivemos que procurar os Bombeiros. Jurei para meu filho que os bombeiros iriam tirar com alguma outra estratégia. Mas quando vi aqueles equipamentos e a serra elétrica… Olhe, me fiz de mãe equilibrada para não surtar. Meu filho disse que, quando viu aquela serra, perdeu 50% da vontade de viver”, conta Coni.

O trabalho dos Bombeiros é minucioso. Apesar da serra, que na verdade é uma microretifica, causar um espanto inicial, os militares utilizam dois extratores de grampo por baixo do anel para proteger o dedo e não causar lesões. O caso de Daniel terminou com final feliz, mas acidentes do tipo podem terminar de forma trágica. Nem sempre vão-se os anéis e ficam os dedos. Nos anos 90, um caso ganhou destaque no estado. O ex-atacante Zé Roberto, na época jogando pelo Bahia, perdeu seu dedo em plena Fonte Nova, após sua aliança se prender no gancho de sustentação da rede no gol. Zé relembra o caso e conta que, na época, não tinha muito o que fazer.

“Aquele acidente com minha aliança foi em 94, na Fonte. Estávamos na Copa do Brasil e tínhamos um jogo contra o Internacional. Como tinha a possibilidade de disputa de pênaltis, fomos treinar cobranças. Quando chegou minha vez, bati e percebi que a rede havia soltado na parte superior do gol. Eu fui ajustar a rede, mas quando saltei para encaixar, meu anel prendeu no gancho e eu caí, arrancando metade no meu dedo”, lembra Zé Roberto, que colocou o pedaço do dedo num copo de gelo e foi para o hospital.

O médico acabou fazendo um procedimento plástico. Ele colou o dedo arrancado (anelar) com o dedo mindinho, se tornando uma coisa só. “Foi uma opção minha mesmo, pois queria voltar a jogar o mais rápido possível. Hoje quase ninguém percebe e levo uma vida normal, sem sequelas”, conta Zé, que acabou de fora daquele jogo contra o Inter, mas retornou logo depois.

Marcelo Muniz não teve a mesma sorte, apesar da história parecida. Durante um baba entre amigos na cidade de Iaçu, na Chapada Diamantina, Muniz também foi ajustar a rede no gancho da trave e a aliança se prendeu. Ele ainda tentou salvar o dedo anelar, mas não conseguiu.

“Perdi meu dedo todo. No meu caso, quando a aliança prendeu, ao invés de amputar, o dedo ficou ‘desenluvado’. Tive que fazer cinco cirurgias e fiquei sem o dedo. Aconselho a todos sobre o perigo silencioso que é qualquer atividade esportiva ou profissional com anel. Fui um exemplo. É preciso tirar a aliança em casos como este, pois é muito perigoso!”, aconselha Muniz. No caso dele, no momento do acidente o dedo não foi amputado, mas a pele do dedo foi todo arrancado no processo conhecido como desenluvamento. Se você pretende procurar imagens no Google, é melhor ter muito estômago para isto.

Cuidados

A prevenção é o melhor remédio na hora de evitar acidentes. Se existe dificuldade do anel entrar no dedo, principalmente um mais antigo, não insista. Outra coisa é saber a hora de tirar a aliança. “Para evitar este tipo de transtorno, o ideal é não fazer uso de adornos, como anéis, em trabalhos manuais e práticas esportivas. É preciso perceber se o adorno pode causar algum tipo de acidente, como ficar preso em alguma estrutura como a trave”, disse o Tenente do Corpo de Bombeiros da Bahia, Rodolfo Barreto.

Barreto também pede atenção com anéis que dão sinais que já não cabem mais nos dedos. “O ideal é conseguir retirar o anel sem esforço, sem precisar rosqueá-lo na hora da retirada. Retirar sem precisar girá-lo”, conta. Barreto explica que diversos fatores podem contribuir para que o anel fique apertado, como gravidez, ganho de peso, alergia alimentar ou alguma doença que cause inchaço no corpo. Percebendo isso, o conselho é a retirada imediata do anel para não precisar ter o mesmo destino de Daniel, do início da matéria. Aos casados, é bom ficar atento ao tempo. O ganho de peso pode transformar o símbolo de compromisso em problema. Caso, com o passar dos anos, a aliança fique apertada, a sugestão é trocar e renovar os votos com segurança.

“É um tipo de ocorrência muito comum. As pessoas chegam com muito medo, assustados. Geralmente é algo facilmente resolvido. Como ocorre a necessidade de corte do anel, muitas vezes a aliança de casamento, as pessoas se abalam, pois envolve uma questão sentimental muito grande, né?”, completa Barreto, que sugere algumas ações antes de procurar os bombeiros. Caso tenha percebido que o anel não sai, a primeira medida é usar detergente líquido, tentando a retirada do anel como se tivesse desenroscando um parafuso.

O fio dental também é uma opção. Passe uma das pontas entre o dedo e o anel. Na outra, enrole no restante do dedo até a ponta. Depois, vá desenroscando com cuidado. Caso não consiga, é a hora de procurar um especialista, principalmente se o dedo começar a inchar. Também é preciso saber quem procurar em momentos diversos. Em caso de anel preso, procure o Corpo de Bombeiros. Já em acidentes graves, como amputação, o ideal é se dirigir imediatamente ao hospital.

No trabalho também é preciso evitar anéis e outros adornos que possam causar algum tipo de acidente. Existem diversas normas que proíbem o uso dos adereços, como a Norma Regulamentadora 32, que proíbe o uso de anéis nos serviços de saúde. Em indústrias onde o empregado utiliza máquinas, o empregador também pode proibir a utilização de anéis, como a aliança no horário de trabalho.

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