Os gritos. Minha primeira lembrança de Freddy Rincón é talvez a mesma que marcou a memória de muita gente: alguém gritando.

Gritando abraçado aos amigos. Gritando no meio do escritório. Gritando no banheiro. Gritando na rua em frente a uma loja de eletrodomésticos. Gritando sem limites por toda a casa.

Não importa o lugar, se pensarmos em Freddy - é assim que o chamamos, como se fosse nosso melhor amigo -, lembramos de termos gritado por ele e graças a ele.

Na madrugada desta quinta-feira (14/4), a equipe médica do hospital Imbanaco, em Cali, na Colômbia, anunciou que o jogador colombiano havia morrido após passar dias agonizando após um acidente de carro em 11 de abril.

Eu estava sozinho. Morava em Cali, a cidade onde Freddy construiria parte de sua lenda jogando pelo América de Cali.

Era uma terça-feira. Meus pais e minha irmã saíram de casa para cumprir seus deveres: trabalho e escola. Eu tinha ficado em casa porque, milagrosamente, a escola em que eu estudava havia adiantado as férias em uma semana.

Não me lembro do sentimento de desespero antes do jogo começar, mas certamente era algo assim, porque naquele dia a Colômbia jogava contra a Alemanha pela classificação para a segunda rodada da Copa do Mundo da Itália de 90.

Vale a pena contextualizar alguns fatos: em seus dois jogos anteriores, a Alemanha (que na época era a Alemanha Ocidental e era vice-campeã do mundo) havia esmagado seus rivais do grupo. Primeiro a Iugoslávia, por 4 a 1, e depois os Emirados Árabes Unidos, 5 a 1.

Já a Colômbia, apesar de ter jogado muito bem, tinha vencido os Emirados Árabes por 2 a 0 e havia sido derrotada por 1 a 0 pelos iugoslavos. Por isso, para se classificar para a próxima rodada, precisava de pelo menos um empate com a Alemanha.

Não tenho muitas lembranças do jogo. Teve um chapéu de René Higuita em Rudi Voeller, o grande atacante do Werder Bremen e do Olympique de Marseille. Não elogiei a audácia do nosso goleiro porque na época o considerei absurdamente imprudente em um momento tão importante para o país.

Porque foi isso: naqueles anos sombrios de violência das drogas e do conflito no campo entre guerrilhas, exército e paramilitares, na Colômbia os únicos raios de luz eram os que nos traziam os atletas.

É por isso que não era só a seleção que estava jogando naquele dia, o país inteiro estava jogando.

BBC News