Que atire a primeira abobrinha quem não conhece um pai que reclame do filho que come mal, só quer saber de salgadinho ou não aceita um pedaço de tomate nas refeições. Como fazê-lo comer uma folha de alface sem graça enquanto disputa preferência com as batatas fritas é a fórmula mágica que muitos pais se descabelam todos os dias para descobrir. Ah, se ao menos as crianças já nascessem gostando de espinafre, alface, abobrinha, cenoura...

Pois o desejo acima não é irrealizável: o bebê pode nascer com certas preferências para determinados tipos de alimentos - e o papel dos pais nessa predileção é de extrema importância. E não estamos falando de genética, mas sim de hábitos alimentares. Hoje, já é cientificamente comprovado que o bebê sente gosto e começa a desenvolver o paladar quando ainda está na barriga da mãe (saiba mais no item 1 abaixo) e que as suas experiências alimentares durante a primeira infância são determinantes para a formação desses hábitos.

Estudos publicados em setembro na revista científica norte-americana Pediatrics deram ainda mais ênfase à importância da alimentação já nos primeiros anos de vida. Em uma dessas pesquisas, por exemplo, constatou-se que os bebês que consumiam qualquer quantidade de bebidas adoçadas com açúcar tinham o dobro de chances de consumi-las ao menos uma vez por dia aos seis anos de idade.

"A formação do hábito alimentar acontece justamente nos primeiros dois anos de idade. Então é muito importante, por exemplo, apresentar frutas ao filho com sete ou oito meses de idade, ao invés de alimentos industrializados", explica o médico nutrólogo Carlos Alberto Nogueira, vice-presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran).

Sem contar que é uma importante fase do crescimento. "Os mil primeiros dias (da gestação até os dois anos de idade) são uma fase de crescimento cerebral, de formação de todo o corpo em si. Nesse período vulnerável, a dieta inadequada pode ‘programar’ geneticamente a criança para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão e aumento do colesterol", diz Elza Daniel de Mello, médica gastropediatra e nutróloga da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Além disso, garantir uma alimentação saudável desde bebê é uma forma de prevenir a obesidade infantil, que hoje afeta uma em cada três crianças brasileiras entre 5 e 9 anos.

Veja abaixo 8 passos

É preciso, portanto, entender melhor como essa formação do hábito alimentar ocorre durante a primeira infância. O Educar para Crescer separou 8 fatores que influenciam o desenvolvimento das preferências alimentares, desde a gestação, e que são essenciais para os pais definirem como ensinar o filho a ter uma alimentação saudável:

1. O bebê reconhece sabores já no útero

Ter uma alimentação saudável durante a gravidez não é apenas uma questão de garantir o desenvolvimento pleno do feto, mas também uma forma de já iniciar uma educação alimentar do bebê ainda na barriga da mãe. Isso porque muitos dos sabores da dieta da mãe estão presentes no líquido amniótico e o feto já tem os sentidos de gosto e cheiro desenvolvidos.

"Os trabalhos mostram que se a mãe come os vegetais verdes, como brócolis e espinafres, de sabor mais amargo, o filho vai aceitar melhor esse tipo de alimentos depois", explica Elza Daniel de Mello, médica gastropediatra e nutróloga da UFRGS. Em um deles, publicado em 2001 na revista científica Pediatrics, os bebês de mães que tiveram uma dieta rica em suco de cenoura durante a gestação fizeram menos cara feia frente a cereais com sabor de cenoura quando na fase da alimentação complementar do que os filhos cujas mães não seguiram a mesma dieta.

"Tudo o que a mãe consome pode influenciar no desenvolvimento da saúde. Alimentação também está envolvida aí. Se ela consome mais gorduras ou mais frutas, pode influenciar o gosto do filho em uma fase posterior de desenvolvimento", diz Elaine C. Rocha de Pádua, nutricionista e autora do livro O que tem no prato do seu filho? - Um guia prático de nutrição para os pais (Editora Alles Trade).

"Uma exposição precoce a um sabor pode levar a um maior prazer por esses alimentos sólidos durante o desmame", diz Elza. Ou seja, o que a mãe come durante a gestação pode influenciar na aceitação que o bebê fará de certas comidas durante a infância.

2. O sabor doce é inato ao ser humano

Logo quando nascemos, as pupilas linguais mais desenvolvidas são exatamente as que detectam o doce. O próprio leite materno é doce, contendo 7% de lactose. Daí os bebês terem uma preferência por esse sabor e rejeitarem alimentos amargos ou azedos.

Essa predisposição a gostar mais do doce poderia ser resquício de uma questão evolutiva, como explica Elza Daniel de Mello, médica gastropediatra e nutróloga da UFRGS: "algumas pesquisas explicam esse fato por uma relação com os costumes ancestrais, mostrando que, nos primórdios, as crianças engatinhavam e as coisas amargas que pegavam no ambiente eram venenos. Daí essa associação, já que o veneno não tem sabor doce na natureza".

Mais uma vez, vale tomar cuidado com a alimentação durante o período de aleitamento materno: "se a mulher come muitas coisas doces, o leite tende a ser mais doce do que já é", revela Elza. "Quando comemos coisas calóricas precocemente, o doce tende a ficar mais impregnado e fica mais difícil de evoluir para uma alimentação mais saudável".

3. O leite materno passa mais do que nutrientes

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a amamentação exclusiva com leite materno seja feita até os seis meses de vida, ou seja, o bebê não deve comer nenhum alimento complementar durante esse período. É comprovado que o aleitamento materno previne a obesidade, diminui os riscos de infecções respiratórias entre outros fatores de risco.

"O leite materno é o alimento mais completo, porque a quantidade que se tem de nutrientes é a necessária para aquele ser em desenvolvimento", explica Elaine C. Rocha de Pádua, nutricionista e autora do livro O que tem no prato do seu filho? - Um guia prático de nutrição para os pais (Editora Alles Trade). Entre eles, destaca-se o ferro (necessário para o transporte de energia dentro do cérebro, transporte genético e multiplicação de células que envolvem o neurônio) e o DHA (fundamental para as conexões neuronais adequadas e transmissão de impulso nervoso).

O leite da mãe também garante um consumo adequado de probióticos e prébióticos (microorganismos vivos), que são essenciais na formação intestinal dos bebês, já que eles nascem com o intestino estéril e são esses "bichinhos" que ajudam a proteger e formar a flora intestinal. "A fórmula infantil tem um teor proteico, de carboidrato e de gordura muito maior que o leite materno. Se você for pensar o que está alimentando mais é de fato a fórmula, mas a digestão é muito mais difícil para a criança. Quanto menos carga você tiver, quanto mais quebradinha for essa proteína digerida melhor", explica Elaine.

Outra diferença entre os dois é que a fórmula infantil tem sempre a mesma consistência de sabor. Assim como o líquido amniótico durante a gestação, o leite materno também tem um sabor perceptível ao bebê e é influenciado pela dieta da mãe. "O tempero que a mãe come durante a gestação, como alho e cebola, tem sabor mais acentuado e isso se reflete no leite materno. Será mais fácil o filho ter uma alimentação variada quando a sua mãe tem uma alimentação variada e a amamenta com leite materno", explica Elza Daniel de Mello, médica gastropediatra e nutróloga da UFRGS.

Além disso, o bebê tem um papel ativo na hora em que está amamentando do peito da mãe, e isso ajuda a desenvolver a autorregulação da saciedade (veja mais no item 4). Assim, ele já se acostuma a controlar melhor o quanto de calorias precisa - claro, com a influência das práticas de amamentação da mãe.

4. A criança sabe se autorregular

"O meu filho comia tanto antes, e agora ele come tão pouco! Será que ele está doente?". Pelo contrário: a partir dos dois anos de idade, é natural que o tamanho do prato que o filho aceita pareça ficar cada vez menor. Isso porque o seu crescimento após esse período não requer tanta energia quanto antes. Claro, ele continua crescendo e precisando de nutrientes e energia, mas a uma escala menor do que quando bebê.

Por isso, não adianta ficar forçando-o a "raspar o prato" ou a comer mais. Ele próprio sabe qual a sua necessidade energética e quanto precisa comer para isso - e há pesquisas que mostram que essa regulação já ocorre desde cedo. Em uma delas, comparou-se dois grupos de bebês: um cuja alimentação consistia apenas no aleitamento materno e outro que recebia alimentos complementares. Percebeu-se que os bebês desse segundo grupo regulavam o quanto de leite mamavam, de tal forma que os dois grupos acabavam ingerindo a mesma quantidade calórica. Como já estavam consumindo energia por outra fonte, esses bebês mamavam menos.

Essa autoridade muitas vezes representa uma demanda muito alta colocada no filho, mas que não corresponde à resposta dele em relação ao que ele realmente necessita de ingestão calórica. Por isso, lembre-se sempre que ter autoridade é diferente de ser autoritário.

"É preciso permitir que o filho aprenda a se autorregular e aceitar que sobre alguma coisa no prato e que ele possa comer mais em um dia do que no outro. Assim, ele vai aprender a ter saciedade com a questão cerebral, e não com a gástrica", diz Elza Daniel de Mello, médica gastropediatra e nutróloga da UFRGS.

5. Insistência e paciência são essenciais na apresentação de um novo alimento

Após os dois anos, é comum o filho apresentar um comportamento imprevisível e variável quanto à aceitação de novos alimentos, ou seja, ficar mais "chatinho" para comer e acabar rejeitando tudo o que os pais oferecem. Mas o problema não é tanto o sabor, mas sim o fato de ser um alimento desconhecido - o que os especialistas chamam de neofobia, medo do que é novo.

Para combater esse comportamento, comum às crianças dessa idade, é importante não desistir na primeira tentativa. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que o novo alimento seja oferecido de 8 a 10 vezes, mesmo que em quantidades mínimas, para que o filho conheça o real sabor da comida. "Ele precisa ter experiência para dizer que gosta ou não gosta", diz Elaine C. Rocha de Pádua, nutricionista e autora do livro O que tem no prato do seu filho? - Um guia prático de nutrição para os pais (Editora Alles Trade).

Mas não é preciso que ele coma tudo o que os pais ofereçam. O que importa não é tanto comer todos os alimentos, mas sim ter todos os nutrientes. Afinal, é possível se manter nutrido mesmo comendo todos os dias a mesma coisa, desde que o prato tenha uma composição minimamente variada.

6. Um exemplo vale mais do que mil palavra

Ver o pai comer uma salada com prazer ou a mãe pegar frutas para levar de lanche para o trabalho são ações que terão muito mais efeito do que uma conversa sobre a importância da alimentação. A ingestão de frutas e verduras é mais elevada quando esses alimentos são deixados prontos para o consumo (melancia já cortada, cenouras em palitinhos) do filho, e em locais de fácil acesso.

"A importância do exemplo dos pais é total, quase 100% nesse processo. Porque o filho é criado por exemplos. Mesmo se ele for meio rebelde, fizer birra e não quiser comer naquele momento, quando isso passar, ele vai se lembrar do que viu e dos atos de seus pais", diz Elza Daniel de Mello, médica gastropediatra e nutróloga da UFRGS.

Assim como os bons hábitos se reproduzem, os maus também - por isso, os pais precisam tomar cuidado com costumes como comer demais, mastigar muito rápido ou comer assistindo a televisão.

Outros adultos que participam da criação devem se esforçar para dar um bom exemplo, e não apenas os pais. Professores e colegas de escola também influenciam o comportamento alimentar do filho. Portanto, vale estar ligado no que acontece na escola e atento a como melhorar a merenda escolar dele. "As pessoas têm de deixar a preguiça de lado e tentar da melhor forma possível ter uma alimentação mais colorida e menos monótona. É preciso tornar a alimentação mais nutritiva e atrativa de uma forma geral", diz Elaine C. Rocha de Pádua, nutricionista e autora do livro O que tem no prato do seu filho? - Um guia prático de nutrição para os pais (Editora Alles Trade).

7. A televisão não deixa a criança perceber que já está cheia

Como a alimentação nos primeiros anos de vida é muito sensorial, o filho precisa de um ambiente tranquilo durante as refeições, para que preste atenção ao que está comendo e interaja com a comida como um todo. Ao ligarmos a televisão, esse forte estímulo visual distrai e desvia a atenção do filho de seu prato e ele não presta atenção em sua mastigação ou na quantidade e variedade de alimentos que come.

"A criança muitas vezes está em uma fase de descoberta e, portanto, não tem foco. Na refeição muito menos. Você acaba atrapalhando a atenção dela", diz Elaine C. Rocha de Pádua, nutricionista.

O cérebro não registra o que está sendo comido - o que pode predispor o filho a uma alimentação em excesso. "Quando você come assistindo televisão, você não vai mastigar, não vai exercitar sua percepção da saciedade", diz Elza Daniel de Mello, médica gastropediatra e nutróloga da UFRGS.

8. Proibir não é o melhor caminho

Há muitos pais que preferem banir certas comidas industrializadas da alimentação do filho. Ainda que pareça uma atitude inteligente, o que os estudos mostram é que a proibição ao alimento pode levá-lo a desejar o proibido ainda mais e promover até o seu consumo em maior quantidade.

"Em criança e adolescente, tudo que se proíbe fica mais interessante - e com a comida é a mesma coisa", explica Elza Daniel de Mello, médica gastropediatra e nutróloga da UFRGS. Ela recomenda que os pais simplesmente não tenham em casa os produtos que não querem que seu filho coma: "quer proibir o consumo de balas? Então simplesmente não as tenha em à vista em casa".

Escolher melhor as palavras e saber dosar o consumo com limites são estratégias que podem ser adotadas para substituir a proibição. "Dentro de uma boa alimentação, não existe nada que deva ser proibido. Se o filho puder comer uma besteira em alguma ocasião esporádica, em algum momento do fim de semana, por exemplo, isso sim é saudável", defende Elaine C. Rocha de Pádua, nutricionista e autora do livro O que tem no prato do seu filho? - Um guia prático de nutrição para os pais 

Editora Alles Trade via Educar para Crescer