O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), uma das formas de dar acesso para estudantes de baixa renda ao ensino superior, abriu inscrições nesta terça-feira (9). Mas, a oportunidade também tem sido uma porta para o endividamento. Segundo dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), entidade vinculada ao Ministério da Educação (MEC), na Bahia, 80 mil contratos estão inadimplentes há mais de 90 dias, ou seja, em dívida com as prestações gerenciadas pelo Governo Federal. A parcela representa 45% do total de beneficiários do programa no Estado (176,6 mil). O FNDE ainda esclarece que o número restante (46,8 mil) está em dia ou com um atraso inferior a 90 dias.

A dentista Lara Alencar, 25, se formou em 2018 e já acumula uma dívida que beira os R$ 20 mil. A jovem conta que morava em Feira de Santana e foi estudar em Lauro de Freitas. Por conta dos gastos com aluguel e alimentação, optou pelo Fies para conseguir se formar. A mensalidade, no entanto, começou em R$ 1.900 e subiu para R$ 4.200 no último semestre, o valor elevou a soma que Lara deve pagar. 

“O Fies me ajudou muito. Se não fosse por conta do programa, eu talvez não tivesse feito a faculdade naquele momento. Porém, no cenário que a gente vive hoje com questão de salário, desvalorização no mercado de trabalho, não é só o Fies que tem que pagar, tem outros custos, acaba se tornando um pouco pesado porque é uma dívida certa de todo mês”, avalia. Com 13 parcelas em atraso, Lara não chegou a pagar nenhuma prestação e busca renegociar a dívida. 

O educador financeiro Raphael Carneiro alerta que, apesar da oportunidade viabilizada pelo financiamento, os estudantes precisam estar atentos na previsão de média salarial após a formação, assim como nas oportunidades de emprego em um país que está em crise econômica. “O perigo vem de supervalorizar o que pode ganhar e não contar com a dificuldade para conseguir emprego, assim as pessoas ficam sem condição de arcar com o compromisso”, adverte.  

O especialista destaca a fase de carência dada aos beneficiários do Fies como um auxílio aos recém-formados. Após a conclusão do curso, o estudante tem 18 meses de carência para recompor seu orçamento e se estabelecer no mercado de trabalho. Apenas depois desse período os novos profissionais terão de pagar uma prestação maior. Embora Carneiro avalie a opção como “ajuda” também ressalta que é preciso considerar a alta taxa de desemprego. 

“Há dificuldade para conseguir emprego depois de formado. As pessoas passaram a se formar, estudar, são mais pessoas procurando emprego. Além de tudo, há a crise no país. Fica-se na condição de pagar o Fies e pagar dívidas ou contas com impacto mais direto no dia a dia, como mercado, alimentação. Como consequência, são juros em cima de juros e forma uma bola de neve”, observa. 

É o que acontece com o dentista Risley Moura, 28, ele acumula uma dívida de R$ 120 mil reais porque o salário caiu durante a pandemia. O baiano estudou em instituição cuja mensalidade era de R$ 1.800 e subiu para R$ 2.600 ao final do curso, em 2016. A dificuldade, porém, veio em 2020, quando o dentista chegou a receber apenas R$ 500 por mês. Antes da crise sanitária, Risley conta que pagava as parcelas corretamente, mas não conseguiu manter o ritmo. 

“Tentei renegociar na época, reduzir o valor da minha prestação no Banco do Brasil. Mas eles não negociavam porque ainda não havia dívida para renegociação. Liguei há um mês, mas agora informaram que tenho que ir na agência bancária, mas minha agência é no Piauí, porque meu pai morava lá e fiz o financiamento por lá. Espero resolver até o final do ano”, estima. 

“Achei que ia ser tranquilo, porque estaria melhor financeiramente. Hoje em dia estou ganhando R$ 4 mil, mas esperava R$ 10 mil. O Fies já está em R$ 120 mil. Parei de pagar desde que começou a pandemia”, detalha. 

Segundo o Serasa, o não pagamento resulta na entrada para a lista de inadimplentes, bem como há chance de ter bens apreendidos ou bloqueados para quitar a dívida, já que é ligada diretamente ao Governo Federal.

Renegociação de dívidas

Estudantes que estão inadimplentes com o Fies podem renegociar com o Banco do Brasil ou com a Caixa Econômica Federal - agentes operadores do financiamento. Segundo o FNDE, a renegociação foi iniciada com a publicação da MP 1.090 de 30 de dezembro de 2021. Ao todo, foram repactuados 216.261 financiamentos, sendo o débito total de R$ 7,7 bilhões. A entidade informa, porém, que ainda não tem informações sobre dados segregados por estado e a inadimplência no parcelamento decorrente da renegociação.

De acordo com resolução publicada no Diário Oficial da União em 21 de julho, o estudante beneficiário, cujo contrato de financiamento se encontrava em fase de pagamento - após formação e período de carência - em 30 de dezembro de 2021, poderá solicitar renegociação ao agente financeiro entre 1º de setembro e 31 de dezembro deste ano. As condições de renegociação variam conforme a data da dívida e condição social.

O FNDE explica que estudantes com débitos vencidos e não pagos há mais de noventa dias, em 30 de dezembro de 2021, podem requisitar desconto da totalidade dos encargos e de 12% do valor principal, para pagamento à vista ou mediante parcelamento em até 150 parcelas mensais e sucessivas, com redução de 100% de juros e multas, mantidas as demais condições do contrato.

Já beneficiários com débitos vencidos e não pagos há mais de 360 dias, na data de 30 de dezembro de 2021, e cadastrados no CadÚnico ou que tenham sido beneficiários do Auxílio Emergencial 2021, podem requerer desconto de 92% do valor consolidado da dívida. 

Para os que se encaixam no mesmo critério, mas a data da última prestação prevista em contrato esteja em atraso superior há cinco anos, a resolução informa que poderão solicitar desconto de 99%. Serão considerados como cadastrados no CadÚnico os estudantes beneficiários que estavam na "situação cadastrado" em 30 de dezembro de 2021. Estudantes com zero dia de atraso com o FIES poderá ter desconto de 12% do valor consolidado da dívida para pagamento à vista.

A Caixa ressalta que solicitações de renegociações serão realizadas a partir de 1º de setembro pelo site sifesweb.caixa.gov.br, sem necessidade do beneficiário comparecer às agências. A entidade afirma que, em breve, disponibilizará aos estudantes uma nova cartilha com orientações sobre a renegociação. A reportagem procurou também o Banco do Brasil, solicitando informações sobre renegociação, porém, foi orientada a buscar o FNDE.

Um médico que pediu para não ser identificado conta que acumula R$ 13,4 mil de dívidas, já tentou renegociar com o Banco do Brasil, mas afirma que a agência não facilita. O profissional diz que estava com dois meses atrasados, mas só era possível a renegociação a partir de três. A partir disso, a dívida foi acumulando e as opções de quitação nunca chegaram. 

“Procurei advogado, mas ele disse que teria que negociar a dívida, eu disse que não estava conseguindo, o aplicativo não dava essa opção. Liguei para o banco, foi aquela burocracia toda. Aí fui deixando, até que essa semana decidi que iria resolver. Eles me deram número para tentar negociar pelo Whatsapp do Banco do Brasil, mas a atendente disse que não tinha como fazer negociação pelo Whatsapp, que tenho que ir na agência. Só que trabalho dois turnos e todos os dias da semana, como vou ter tempo de resolver isso?”, questiona. 

Raphael Carneiro orienta que, em casos de dívida, o mais fácil a se fazer é ir presencialmente resolver a questão. “Tenho caso de uma cliente que fez pelo aplicativo e vieram algumas taxas que ela não tinha visto. Ninguém avisou, [mas] estava no contrato, a gente não tem costume de ler aquelas cláusulas e termos”. 

Já para evitar o endividamento, a recomendação do economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon-Ba) é, em ordem: organizar as finanças, analisar bem antes de fechar uma renegociação, colocar lembretes no smartphone para não esquecer os pagamentos das parcelas negociadas, fazer renda extra, evitar novas dividas e priorizar o pagamento da renegociação.

O MEC informa que, em caso de descumprimento de qualquer obrigação legal ou convencional, serão exigidos encargos financeiros, juros e multa de 2% calculada e exigida nos pagamentos parciais, sobre os valores amortizados, e na liquidação final, sobre o saldo devedor da dívida. 

Saiba como se inscrever:

Candidatos interessados em participar do processo seletivo do Fies referente ao segundo semestre de 2022 devem efetuar inscrição através sistema de seleção do Fies - FiesSeleção entre 9 e 12 de agosto. O resultado será divulgado no dia 16 e, aos selecionados, o complemento das informações de inscrição devem ser efetuados entre 17 a 19 de agosto.

Para participar, é preciso ter realizado o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) a partir da edição de 2010, obter média geral igual ou superior a 450 pontos e não ter zerado a redação, assim como não ter participado apenas como “treineiro” - quem ainda não concluiu Ensino Médio após divulgação dos resultados do Enem. Para ser apto à candidatura também é preciso possuir renda familiar mensal bruta per capita de até 3 salários mínimos.

Ao acessar o Portal Acesso Único do MEC para realizar a inscrição, é possível efetuar cadastro no "Login Único" do governo federal e criar uma conta gov.br. Se já possui a conta, basta inserir o número de Cadastro de Pessoa Física (CPF) e senha. Após realizar o cadastro, o usuário será retornado ao FiesSeleção para continuar sua inscrição e poderá se inscrever no processo seletivo do Fies.

O resultado da ordem de classificação e da pré-seleção referente a processo seletivo do Fies no segundo semestre de 2022 será divulgado no dia 16 de agosto de 2022 e será constituído de chamada única e de lista de espera. 

A analista financeira na UniFTC, Naijorgia Aragão, destaca que, mesmo com o Fies aprovado, o aluno deve estar atento porque há renovação semestral do financiamento. “Se atrasa não consegue fazer a renovação do financiamento esse é o ponto mais importante do aluno ficar atento ao comunicado do prazo, todo início do semestre[o Governo] faz a divulgação do calendário com prazo para renovação”.  

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