Mães com filhos autistas podem e devem contar com uma rede de apoio formada por familiares e pessoas próximas, orienta especialista em Avaliação Neuropsicológica

Após ter passado por uma gravidez de alto risco, Jessica Azevedo, 24, desenvolveu uma enorme habilidade de observação, afinal precisava estar sempre atenta à própria saúde e a do bebê. Após o nascimento, o talento adquirido a fez perceber que, com apenas seis meses, o pequeno Theo já apresentava algumas características peculiares, o que acendeu um enorme ponto de interrogação na cabeça da jovem: “e se?”.

Ela, que abandonou o primeiro ano da faculdade de Psicologia para se dedicar à gravidez, sabia muito bem quais eram as características de uma pessoa com Transtorno do Espectro Autista, e a criança já gabaritava a lista: Theo não olhava nos olhos, não tinha sorriso de retorno, não atendia aos estímulos e parecia ficar tempo demais “no mundinho dele”, como explicou a mãe ao Jornal Em Dia Bragança.

“Ele teve a fala precoce. É um dos traços do autismo, mas menos falado. Com um ano e dois meses ele já formava frases [...]. Aí depois ele começou a usar muita gramática, então ele fala muito certinho. Se você falar errado ele vai corrigir [...]. Ele tem muitas manias; tem hiperfoco, então só fala sobre assuntos específicos; brincava com os brinquedos assim, de fazer fileira; tem toque na organização e o desejo de colecionar “, listou Jessica.

O comportamento atípico do filho, que hoje tem 5 anos, só passou a ser investigado aos dois, quando começou a frequentar a escola. Certo dia, as professoras chamaram a mãe até a unidade e informaram sobre as dificuldades da criança em socializar. Foi então que a busca de um diagnóstico começou, saga esta que teve um fim apenas no início de 2023. Neste período, o menino precisou mudar para uma escola que oferecesse mais suporte e passou por três especialistas. A pandemia atrasou ainda mais o laudo, uma vez que o problema foi associado ao fato dele ser “uma criança de pandemia”.

“O profissional falou isso, que todas as crianças de pandemia têm problema com socialização, que ia se acostumar, ia passar. Aí passaram os dois anos do auge da pandemia e ele continuou, porque ele era assim desde os 6 meses”, desabafou.

COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO?

De acordo com a especialista em Avaliação Neuropsicológica, psicóloga Luciana Aparecida de Souza, a falta de exames específicos ou laboratoriais que identifiquem o TEA tornam o diagnóstico mais demorado. “Na maioria das vezes, o ponto de partida é uma avaliação multidisciplinar com psiquiatra, neurologista e psicólogo, baseada na descrição dos sintomas e na observação do comportamento do indivíduo [...]. A neuropsicóloga vai levantar, através da história de vida da criança, dados relevantes como: gestação, parto, desenvolvimento, antecedentes, entre outros dados relevantes no que chamamos de entrevista de anamnese”.

Depois, é iniciada a fase de testes com a criança, quando também são enviados questionários para os pais e para a escola, sendo possível até mesmo uma visita na unidade escolar. Por fim, é realizada a correção e tabulação dos resultados (dependendo da idade, abrange de 10 a 15 testes/questionários/escalas), e a descrição do laudo.

“Outro fator é que a avaliação neuropsicológica para muitas famílias tem custo alto e, como não há esse recurso pelo Sistema Único de Saúde (SUS), acaba gerando ainda mais prejuízos e demora para o diagnóstico, prejudicando a criança em seu desenvolvimento, principalmente em período escolar”.

“A MÃE SENTE. EU JÁ SABIA, SÓ PRECISAVA DE UM LAUDO”

Apesar da resistência das pessoas mais próximas em aceitarem o possível diagnóstico de autismo, Jessica tinha convicção de que essa era a chave para que o filho recebesse os cuidados adequados. “Mãe sabe, a mãe tá ali todo dia desde que nasceu, então a mãe sabe, a mãe sente. Eu já sabia, só precisava de um laudo para, vamos se dizer assim, procurar os direitos dele”.

O que a jovem não esperava era lidar tão cedo o preconceito: o primeiro veio de uma coleguinha da escola que encontrou a família em um clube e perguntou para Jessica o motivo do filho ser “estranho”; no segundo, disseram a ela que aceitar o diagnóstico de autismo era selar o destino de Theo, e que, ao invés disso, a mãe deveria orar pelo pequeno; no terceiro, que não deveria contar à criança sobre o TEA, mas falar a ele apenas “coisas positivas”.

A especialista Luciana concorda com a postura da entrevistada: “Vejo que quanto mais naturalmente o autismo for trazido para a conversa, melhor, porque então se torna parte de quem elas são. Trata-se de ajudar as crianças a ver que tudo bem ter diferenças e alguns desafios associados a essas diferenças”.

Hoje, Jessica, o irmão, a mãe e o noivo lidam muito bem com as particularidades de Theo, respeitam e compreendem as suas limitações. Mas, ao mesmo tempo, o medo do futuro é algo que ocupa a mente da jovem mãe. “Quando você tem um filho, você pensa nas festas de aniversário. No momento que você vê que a criança não gosta de barulho, não gosta de pessoas, automaticamente você não vai ter uma festa de aniversário [...]. Agora ele tá criança, ele tá dentro de uma bolha que eu posso colocar e proteger ele de tudo. Mas e a hora que ele ficar adolescente, e a hora que ele ficar mais velho?”, questiona-se.

A fim de ajudar Theo a desenvolver novas habilidades e a lidar com comportamentos considerados prejudiciais, ele realiza a terapia ABA (Applied Behavior Analysis), quatro vezes na semana, durante uma hora. O menino também frequenta a Terapia Ocupacional Sensorial, a fim de melhorar as disfunções sensoriais, como as dificuldades com o barulho alto e as diferentes texturas, que são coisas que podem desencadear uma crise em pessoas autistas.

“É IMPORTANTE LEMBRAR QUE ELAS NÃO ESTÃO SOZINHAS”

Se a maternidade em si já é uma realidade bastante desafiadora, o dia a dia de uma mãe atípica pode ser ainda mais difícil: não raro conhecemos mulheres com quadros ansiosos e depressivos, causados pela sobrecarga da rotina dos filhos. A psicóloga destaca algumas dicas para apoiar as mães atípicas e oferecer a elas uma rede de apoio:

Ouça e ofereça suporte emocional: tire um tempo para conversar com ela e ouvir seus problemas, ofereça apoio emocional e demonstre que você se importa. Levá-la para sair e se divertir sem a criança também é um ato de carinho;

Seja compreensivo e compassivo: as mães atípicas podem se sentir julgadas ou incompreendidas pelos outros. Tente ser compreensivo com as dificuldades que ela enfrenta e ofereça sua ajuda sem julgamentos;

Incentive a mãe a cuidar de si mesma: as mães atípicas muitas vezes se concentram tanto nos cuidados de seus filhos que se esquecem de cuidar de si mesmas. Incentive a mãe a cuidar de si, tirar um tempo para descansar, fazer terapia, exercícios físicos ou qualquer outra atividade que a faça se sentir bem. Lembre-se de que cuidar de si mesma também é fundamental.


“QUANTO MAIS  INFORMAÇÃO, MENOS PRECONCEITO”

Foi o que Jessica Azevedo pensou quando decidiu dedicar sua conta no Instagram (@uma_mae atipica) à conscientização sobre o TEA, há pouco mais de um mês. Segundo ela, o objetivo nunca foi viralizar ou receber reconhecimento pelo trabalho, mas sim ensinar as pessoas que convivem com o filho sobre o autismo, “para eu não passar por isso com as pessoas que estão por perto, porque dói mais”.

Para sua surpresa, o conteúdo abordado despertou o interesse de muitas mães que se identificaram com os relatos ou queriam entender melhor o transtorno. Ela recebeu, inclusive, fotos e vídeos dos filhos destas mulheres que acreditam que a jovem pode ajudar a identificar os sinais do autismo, gerando assim uma grande corrente do bem em prol do conhecimento sobre a condição.

“Foram várias perguntas que eu fiquei assim, ‘meu Deus, é preciso realmente falar sobre esse assunto’ [...]. Pretendo até retomar minha faculdade por conta disso, então é um assunto que eu gosto muito. Eu quero falar mais para conscientizar mais pessoas, porque ninguém merece passar por preconceito”, concluiu a mãe.


Fonte:Jornal em dia